Do Ceará pra cá: a história da médica Kátia Alencar

Do Nordeste do Brasil para o Nordeste do Rio Grande

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O gostoso e arrastado sotaque nordestino está no DNA de Kátia de Alencar Rodrigues. “Cada vez que pego um táxi em Porto Alegre, logo me dizem: a senhora não é daqui”, conta, achando graça, pois já faz quase 40 anos que mora no Sul e o cantar não a abandona.

Dra. Kátia no seu atual consultório.
Dra. Kátia no seu atual consultório. | Crédito: Giana Pontalti

Kátia é de Fortaleza, no outro extremo do Brasil, terra de muito sol e mar. “A cidade está próxima à linha do Equador, o sol nasce às cinco horas, tudo é iluminado e isso influencia as pessoas”, diz, recordando da espontaneidade e alegria de seu povo. A médica nunca imaginou sair de lá. Desde criança, pensava em ser pediatra, e foi para fazer a residência no bem conceituado Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro que ela deixou o Ceará.

Arquivo pessoal de Kátia.

“Acredito que a escolha pela pediatria tenha relação com o meu passado. É algo inconsciente. Meu pai saiu de casa quanto eu tinha apenas seis anos. Gosto muito de criança, de cuidar e amparar”, revela.
Kátia morou apenas dois anos no Rio de Janeiro, onde se dedicava quase exclusivamente à sua especialização. Em um dos raros momentos de folga, no primeiro ano de residência, visitou um congresso de agentes de viagens, a convite da amiga Regina. No evento, havia estandes dos diversos lugares do Brasil, e uma barraca de gaúchos com uma placa de Vacaria lhe chamou atenção. “Cada Estado mostrava suas danças típicas, sua cultura. E nos espaços sulistas gentilmente nos ofereceram churrasco e chimarrão”, conta. No segundo dia, enquanto as amigas foram assistir a uma apresentação de escola de samba, Kátia foi conferir o desfile dos gaúchos.

” Imagina aqueles homens a cavalo em plena Copacabana, vestidos a caráter. Eu me encantei.”

Não tardou para ela prosear com um dos gaúchos – Mércio – que aproveitou para “se consultar” com a doutora. Ele reclamava de uma tosse insistente. Ela, então, decidiu levar amostras de remédio e, no próximo encontro, trocaram atenção, algumas confidências e o endereço. Mal sabiam que pouco tempo depois trocariam alianças. “Nós nos comunicávamos por cartas, eu escrevia toda a semana. E nos sábados, às 19h, pontualmente, ele ligava”, salienta. Na época, não existia celular, e telefone fixo em casa era artigo de luxo. Mércio ligava para Kátia de uma central telefônica.

O encontro de Kátia e Mércio | Crédito: Arquivo pessoal.

O encontro dos dois aconteceu em outubro. Em dezembro, ele já subia o país para passar o réveillon com ela no Rio. No carnaval, foi a vez de ela visitá-lo. “Trouxe Regina comigo. Vim conhecer a família de Mércio e a lida campeira. Foi muito divertido”, conta.

Kátia com a amiga Regina no sul | Crédito: Arquivo pessoal de Kátia.

Nas férias, os dois foram a Fortaleza, visitar a família dela. Percorreram juntos mais de 12 mil quilômetros de ônibus, só nessa viagem. O amor avançou, e ela decidiu fazer um concurso público no Rio Grande do Sul. “Era maio de 1978, lembro que fazia muito frio e eu cheguei despreparada. O Mércio me presenteou com uma bota e emprestou o seu pala. Fui fazer a prova de luvas. Lembro que as tirava e colocava toda hora, para responder às questões”, conta. Ela foi assertiva e passou. Já no ano seguinte, casaram-se. “Decidimos nos casar em Vacaria, pela idade avançada dos meus sogros. Foi muito emocionante, pois havia sete anos que não via meu irmão – Marcos Antônio – que morava nos Estados Unidos. Ele veio para entrar comigo na igreja”, recorda.

Pioneira, Kátia foi a primeira médica da cidade. Como todo nordestino, encontrou certa resistência por onde passou. Alguns pacientes pediam para trocar de médico, pois não queriam ser atendidos por uma mulher, tampouco por uma “estrangeira”. Mas Kátia não se abalou.

“Há um ditado que diz que o nordestino é, antes de tudo, um forte. Vim de uma cidade que se chama Fortaleza, e nada temo, pois tenho muita fé em Deus.”

Força parece que nunca lhe falou. “Senti muita falta de minha família, especialmente de minha mãe. Mas aprendi a ser desprendida e livre, o que me ajudou quanto tive minhas filhas, pois as criei para o mundo”, destaca.

Coragem e energia também não lhe faltam. Partiu de casa aos 25 anos. Especializou-se em pediatria e homeopatia. Acaba de ingressar em uma pós em medicina quântica. Já cursou filosofia e fez teologia. Adora nadar e, nos seus 20 anos nas piscinas, conquistou sete medalhas em competições. É uma grande incentivadora do esporte. É estudante de piano, espanhol, e mais recentemente, de canto. “Eu não tenho medo de viver. Adoro aprender coisas novas e sou muito grata pela minha vida” diz.

A médica acredita que novos saberes são aliados na conquista de uma vida plena. “Eu não trato apenas o sintoma do paciente, quero que ele aprenda sobre si e seja mais feliz”, diz. Kátia estranha a quantidade de farmácias em Vacaria.

“Em cidades europeias há muitas fruteiras e livrarias. Uma cidade que oferece alimentos saudáveis e cultura às pessoas não precisa de tantas farmácias”, constata.

Apesar das limitações, Kátia gosta de Vacaria, especialmente da segurança e tranquilidade daqui. “As pessoas estão enlouquecidas nas grandes cidades. Aqui é mais calmo. Mas calmaria demais também cansa. Vacaria precisa criar novos ambientes para as pessoas interagirem”, sugere. Apesar de estar bem adaptada à cidade, planeja envelhecer em outro lugar. “Sinto muita falta de árvores e do mar. A gente tem muito campo aqui, mas tão poucas árvores. Precisamos plantar. Já o mar, não tem como trazer. Estou com 66 anos, e quero ficar velhinha pertinho dele”, conclui.

por Giana Pontalti | texto publicado em abril de 2015 no Correio Vacariense,  coluna VAI E VEM.

 

 

2 COMENTÁRIOS

  1. Lindo testemunho Kátia,linda história!!Somos amigas há muitos anos,achava que sabia tudo sobre vc,mas esse relato trouxe coisas novas à teu respeito.Admiro tua coragem,garra e determinação.A buscadora,sedenta do novo,sempre!Em cursos,formações,livros e viagens…Arrojada profissionalmente,exerce uma medicina a partir da visão integral do ser.Gratidão por ter feito querência as verdes placas Vacarienses,amiga!

  2. Amei ler e conhecer o relato de sua vida até chegar a Vacaria! uma verdadeira pioneira, que tive oportunidade de conhecer há tantos anos; primeiramente com pediatra, atendendo meus filhos, após como mãe de uma de minhas aluninhas, mais tarde, esta amiga preciosa e verdadeira que é até hoje! Sorte nossa o destino haver colocado você em nossas vidas! Abraços

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