De Rondônia a Vacaria

A jovem que migrou para seguir a vida religiosa

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Em época de tantas chuvas, não é difícil imaginar como é viver em um lugar onde o aguaceiro cai quase diariamente, durante sete meses do ano. Assim é Rondônia, um dos estados menos conhecidos do país, e facilmente confundido com Roraima. “Quando vou visitar meus parentes, costumam me perguntar: ‘Como estava lá em Roraima?’ As pessoas não sabem onde fica Rondônia, só sabem que é lá pra cima”, conta Nilza Alves de Souza, achando graça.

Nilza no batente no seu atual salão | Crédito: Giana Pontalti

Rondônia fica no norte do Brasil, faz divisa com a Bolívia e é abraçada pelos vizinhos Mato Grosso, Acre e Amazonas. Tem clima tropical, onde a umidade e a chuva imperam metade do ano, e na outra metade, a seca domina. Tem flora e fauna abundantes. “Antigamente, as pessoas tinham em casa uma onça ou uma capivara como bicho de estimação”, revela Nilza.

Entre as riquezas de Rondônia, está a madeira. O seu território é cortado pelo importante Rio Madeira, um dos maiores do mundo em extensão. A extração vegetal move a economia do estado e, a pecuária, também. Rondônia é grande exportadora de carne bovina.

“Infelizmente, Rondônia só aparece no noticiário quando o governador desvia dinheiro ou quando tem enchente. Mas o estado é bastante desenvolvido. A cidade onde meus pais moram – Cacoal – tem apenas 40 anos e é mais evoluída que Vacaria.”

Nilza é mineira, quando criança morou no Paraná e, na adolescência, já estava em Rondônia. Os pais dela sempre lidaram com agricultura e pecuária. Com 15 filhos, sempre buscaram meios de melhorar as condições de vida e nunca tiveram medo de migrar. “Lembro-me de quando estávamos no Paraná, meu pai chegou em casa com um folheto de divulgação de Rondônia em que aparecia uma mandioca gigante, feijão bonito, e banana. Partimos pra lá”, recorda. Nilza passou alguns anos em Rondônia, suficientes para não querer voltar. “A vida lá é muito difícil. Eu sei o que é colher café o dia inteiro embaixo do sol intenso. Não gosto do calor que faz. Mas tem também o lado bom: tudo o que se planta dá”, constata.

Rondônia foi breve em sua vida, mas determinante. “Meus pais são católicos fervorosos, nunca faltavam às missas de domingo. Eu os acompanhava e, por estar sempre na igreja, senti vontade de seguir a vida religiosa”, revela.

Arquivo pessoal de Nilza.

Nilza estudava para ser freira, e foi em Rondônia que conheceu as irmãs missionárias de São José. Com elas, veio para Lages, cidade vizinha a Vacaria. “As irmãs missionárias visitavam localidades aonde ninguém mais chegava. Lembro-me de uma delas que distribuía remédios homeopáticos, uma verdadeira médica por lá”, destaca.

 

Arquivo pessoal de Nilza.

Apesar de admirar as religiosas, Nilza não seguiu a mesma vocação. “Saí da congregação com 24 anos. Sabia que precisava trilhar o meu próprio caminho”, diz. Nilza escolheu viver em Vacaria, pois simpatizou com a cidade desde que a conheceu. Surpreendeu-a o capricho das casas, e o cuidado com os jardins. Quando chegou à cidade, foi trabalhar no centro de formação, então seminário. “Aceitei o trabalho de doméstica porque a única coisa que eu sabia fazer era limpar e cozinhar”, explica. Nilza pilotava bem o fogão, mas o que preparava era peixe ensopado, vatapá, moqueca, quiabo e jiló.

“No primeiro dia no seminário, passei um sufoco. Pediram para eu fazer uma sopa de agnoline. Com o passar da tarde, fui ficando nervosa, porque à noite se aproximava e cem pessoas esperavam o jantar. Eu não sabia o que era o agnoline. Olhei para o padre e disse: ‘Alguém vai me ensinar?”, conta rindo.

Em solo gaúcho, Nilza estudou, formou sua própria família e cresceu profissionalmente. “Enquanto trabalhava no seminário, fui fazer curso de cabeleireira, para cortar o cabelo dos seminaristas, que eram pobres”, conta. Sem planejar, encontrou sua profissão. O cabeleireiro Gemile foi quem a apresentou às artimanhas das tesouras. Com muita dedicação, Nilza não tardou para abrir o seu próprio salão. E lá se vão quase 20 anos.

Montagem do salão | Arquivo pessoal de Nilza

“Contei com a ajuda de muita gente para começar, o vacariense é muito solidário”, salienta. “Certa vez, o padre Eliseu Vicensi me disse que, se faltasse comida em minha despensa, eu sabia onde era o mercado: no seminário. Eu pegava minha bicicleta, uma sacola, e ia lá buscar costelinha de porco, leite e feijão”, conta, com gratidão.

E é gratidão o que Nilza sente por Vacaria. Aqui fez amigos, e despertou amores. Casou-se, teve um filho. Ficou viúva, hoje namora. Investe continuamente na profissão. “Não tenho medo de viver. E sinto orgulho de minha história”, enfatiza. Nos primeiros dois anos como cabeleireira, comprou um terreno para construir sua casa e, na peça da frente, o salão. Deu certo, assim como também deu para duas de suas irmãs: Vera e Nelci, que vieram de Rondônia para trabalhar na mesma área. “As pessoas me olham e dizem: ‘Nossa, você está tão bem, está ficando rica’. Acho estranho que ninguém pergunte que horas eu levanto e até que horas trabalho”, reforça.

Nilza vê Vacaria como uma terra de oportunidades. “Acho que se o povo tivesse contato com outras realidades, como a que tive, puxando enxada, plantando milho e feijão, em um sol de rachar, perceberiam que aqui é mais fácil. Basta querer e se esforçar”, diz Nilza, ativa, intensa, dinâmica. Nilza, dona de salão, 47 anos bem vividos, no amor e na profissão.

por Giana Pontalti | texto publicado em julho de 2015 no jornal Correio Vacariense, na coluna VAI E VEM.

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