Adelide Canci,
gestora do Hospital Nossa Senhora da Oliveira

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por Giana Pontalti 

Para quem está atento às mudanças em Vacaria é fácil perceber que, no quarteirão do Hospital Nossa Senhora da Oliveira, sempre tem uma obra em construção. “Penso que a reestruturação do hospital foi uma das grandes conquistas nos últimos anos”, diz Adelide Canci, diretora. A  religiosa, que assumiu a gestão da instituição há 13 anos – depois de ser desafiada por consultores e um grupo de empresários – é uma das entrevistadas do Papo de Mulher, especial deste março.

Há 13 anos à frente do HNSO, Adelide Canci promoveu mudanças importantes. | Foto: Samara Pacheco, Esthudio F18

“Sempre estive ligada à gestão, mas na área da educação. Quando trabalhava no Colégio São José, escutava muitas críticas ao hospital em rádio e jornal. Acompanhei o hospital de perto desde 2005 e, em 2007, assumi a gestão. Na época, o hospital estava em uma situação muito difícil financeiramente. Fui convidada a reforçar a equipe administrativa junto com a irmã Marcela”, conta. Atualmente, o HNSO é comandado por uma equipe multidisciplinar formada por seis profissionais – cinco mulheres.

Estar à frente de uma das instituições mais importantes da cidade não é para qualquer uma. “No começo foi muito difícil, por ser mulher, religiosa e da área da educação. Davam risada de mim, diziam: ‘o que uma professorinha vai fazer em um hospital?’ As pessoas não diferenciam uma opção que você faz na vida pessoal da sua carreira profissional. Eu sou religiosa, outra colega optou por se casar, isso é vocação. Ela convive com a família dela, eu com a minha comunidade religiosa. Nós temos duas opções de vida diferentes, mas profissionalmente não nos diferenciamos, somos gestoras”, relata.

Em sua trajetória profissional, Adelide sempre foi escolhida para cargos diretivos, assumindo colégios e coordenações pedagógicas. O que aprendeu em sua formação pedagógica, hoje aplica no hospital. “Quando chegamos, o hospital estava precário. Os médicos e a enfermagem prestavam um bom atendimento, dentro das limitações que existiam. A primeira proposta que lançamos foi abrir as portas do hospital à comunidade, para mostrá-lo. Vacaria é uma cidade pobre, a grande maioria dos atendimentos é feita  pelo Sistema Único de Saúde, e o que o SUS paga não mantém o hospital. Fizemos um trabalho com os políticos, buscando a destinação de emendas parlamentares. Através delas é que conseguimos efetivar reformas estruturais importantes”, diz.

A diplomacia – e o diálogo – foi um dos avanços de Adelide à frente da instituição. O engajamento da comunidade na Consulta Popular, outro. A irmã destaca a expressiva participação dos vacarienses na Consulta Popular*, o que possibilitou a reforma da ala SUS, e da urgência e emergência.

“Cada pouco, fazemos reformas; nunca paramos”, pontua. Apesar dos muitos desafios, a diretora nem pensa em desistir: é determinada e persistente. “Temos muito a fazer. Mas progredimos na parceria com a Secretaria Municipal da Saúde e no engajamento dos médicos”, conclui.

Quando precisa reabastecer suas energias, Adelide busca à natureza. “Gosto de estar em meio às plantas, cuidar do jardim, da horta. Gosto de dar comida aos animais. Gosto de tudo que tem vida: é da nossa essência cuidar”, afirma.

E é o olhar de cuidado coletivo que o Hospital precisa: “Não existe um hospital sem uma comunidade que o acolhe, não existe hospital sem médicos e não existe médicos sem hospital. Claro que os médicos atuam no consultório, mas precisam do hospital”, reforça. Em plena pandemia, a necessidade de um hospital forte, bem estruturado, ficou ainda mais evidente.

Saiba mais sobre Adelide no FALA GURIA logo abaixo. Confira o bate-papo que tivemos com Adelide e a psicóloga Simone Caon:

ENTREVISTA

FALA GURIA

Formação: Pedagoga (UPF), pós-graduada em supervisão escolar e informática aplicada à educação. Técnica em Contabilidade. “Sempre gostei de estudar, estou sempre buscando aprender.”

De onde veio: São Jorge, antigo distrito de Nova Prata, RS.

A escolha da vocação: “Quando eu tinha 16 anos, fui fazer um curso de educação familiar com as irmãs de São José. Eu olhava para elas e ficava encantada. Um dia eu disse para uma delas: ‘eu quero ser irmã.’ Uma delas me disse: ‘Meu Deus, vamos ter que transformar os nossos conventos em salões de festa’. Isso porque eu adorava dançar nos bailes de minha cidade. Comentei com ela que era justamente o que queria fazer, levar alegria para os conventos. Ela não acreditou muito em mim. Mas tempos depois fui convidada a ingressar na vida religiosa.”

A escolha profissional: Adelide é educadora, sempre foi líder na sua comunidade. Na congregação das irmãs de São José, foi alçada a cargos diretivos. “Saí da educação para a saúde. Eu e a irmã Marcela fomos desafiadas a integrar a equipe administrativa do hospital. Na época, levamos um susto, não estávamos preparadas.”

Diagnóstico: “Na época em que assumimos, 2007, o hospital estava decadente, muito mal economicamente. O deputado Francisco Appio, parceiro do hospital, convidou dois empresários e o promotor público para sentar e ajudar a encontrar uma saída para o hospital. Ao mesmo tempo, o Escritório Benincá, que presta assessoria, realizou um estudo aprofundado. Queríamos entender o que acontecia. Quando o relatório ficou pronto, foi apresentado a um grupo de irmãs da Associação Caritativa São José. Disseram que o hospital podia crescer muito, mas precisava de um reforço na questão administrativa.”

Críticas: “Eu gostaria que as pessoas que tanto criticam viessem administrar o hospital um tempo, para ver como ele funciona. Um hospital dá ao paciente seis refeições diárias (custo com alimentação), a hotelaria (custos com cama, lençol, limpeza, água, luz, etc.)., medicamentos. O SUS repassa por um raio-X simples, por exemplo, R$ 8, e o custo do hospital é em torno de R$ 50. O hospital não se mantém com os recursos do SUS porque existe uma defasagem.”

SUS: “Tem os seus dois lados. Um é a possibilidade de a pessoa menos favorecida ser bem atendida, o SUS tem praticamente tudo. Se muita gente não tivesse o SUS não teria como tratar da saúde. Por outro lado, foi criado e não teve reajuste nas tabelas, não contribui para o crescimento das instituições. Hoje é baixíssimo o valor pago pelos serviços. A remuneração para os médicos é baixa também.”

“Vacaria é uma cidade pobre, a nossa região é. Cerca de 87% dos nossos atendimentos são feitos pelo SUS (dados de 2020). É muito! Por isso nós precisamos buscar parcerias, para poder fazer melhorias.”

Captação de recursos públicos: “Esse trabalho com os políticos, de destinação de verbas, emendas, é uma das maiores conquistas. Através dele conseguimos as reformas estruturais, conseguimos preparar o hospital para que os médicos e a enfermagem possam fazer um trabalho de melhor qualidade. Hoje temos um dos melhores hospitais SUS do Rio Grande do Sul e, conforme algumas pessoas, até do Brasil.”

“A aproximação que fizemos com os políticos foi fundamental, pois foram as emendas que garantiram melhorias. Com a ajuda da família Barison, recentemente conquistamos emenda parlamentar que vai possibilitar a transferência da UTI para o segundo andar. O espaço ocupado pela UTI vai ser destinado à urgência e emergência”, explica.

Parcerias: “Crescemos muito na caminhada com a Secretaria Municipal da Saúde, sinto uma parceria muito grande. Crescemos também com os médicos, que estão mais engajados.”

Em obras: “Estamos construindo um centro de saúde que agregará muitas salas e consultórios de profissionais de saúde, ao lado do hospital. Isso nos ajuda financeiramente.”

Consulta Popular: “Ela trouxe avanços para o hospital. Com os recursos da Consulta, foi feita a reforma da área SUS e está sendo feita a reforma da urgência e emergência. Vai ficar como a dos grandes hospitais.”

*A Consulta Popular, promovida pelo governo do Rio Grande do Sul, é um mecanismo democrático de participação popular em que a própria comunidade vota nas prioridades de investimentos em sua região.

Pandemia: “Talvez as pessoas não se deem conta, mas tivemos de criar um novo hospital dentro do hospital: são praticamente dois hospitais funcionando. Esse novo hospital traz investimentos e um medo muito grande. Nós passamos a trabalhar com medo. Os funcionários da ala temem levar o vírus para a casa.

São 30 leitos clínicos e 5 UTI covid. O valor para manter esse hospital é muito alto, em tudo. Existem críticas pelo valor recebido, mas as pessoas precisam ver os gastos. Uma ampola que custava R$ 3, foi para R$ 38 e chegou a R$ 78, uma ampola usada para manter a sedação do paciente para 1 dia. O gasto é muito grande.”

O cuidado/mudança na rotina: “Com a pandemia, percebi o resgate da habilidade de cuidar, presente em todos nós. A copeira percebeu que podia dar algo a mais de si, a higienizadora também. O pessoal da cozinha escreve bilhetinhos aos pacientes, nas embalagens. É algo tão simples, mas que ajuda muito. Teve um paciente que colocou todos esses bilhetes na parede e, quando teve alta, levou consigo. A verdade é que não sabemos quanto tempo de vida ainda temos.”

“Os pacientes covid não podem receber visitas. Tinha uma senhora que queria uma benção de um padre. Compramos um tablet para que a comunicação com religiosos e parentes fosse possível.”

Equipe: O HNSO conta atualmente com 420 funcionários, na grande maioria mulheres. “Com a pandemia, colocamos uma psicóloga à disposição dos funcionários que mais precisam. A pandemia mexeu com as estruturas. O nosso funcionário está aqui, mas está com medo porque na porta sempre tem alguém chegando contaminado. Existia isso antes, mas não como hoje, pois sabemos que o coronavírus mata. A gente sente os mais fortes, corajosos, felizes porque conseguimos chegar até aqui sem nos contaminar, e os mais frágeis, com muito medo.”

O que lhe incomoda? “A falta de sinceridade, alguém falar uma coisa na sua frente e atrás outra.”

86 anos do hospital: “Em maio, completaremos 86 anos. Vem aí o livro contando a história da instituição.”

Horas vagas: “Tenho paixão por cultivar. Sábado fico em meio aos jardins e à horta. Também gosto de dar comida para os animais. Temos pintos, galinhas e cachorros por aqui. Um deles está cego e surdo”, diz.

Lazer: “Eu gosto da interação com as pessoas. Na congregação, sempre proponho um almoço com as irmãs, uma roda de conversa, chimarrão. É claro que hoje, por causa da pandemia, as ações estão limitadas. Acabamos promovendo ações virtuais.”

Uma comida: Churrasco. “Gosto muito de assar uma carne.”

Equilíbrio: “Faço meditação, rezo, e gosto muito do trabalho que faço na área de comunicação da província (irmãs de São José no Brasil).”

Especial Papo de Mulher | março de 2021

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