Do interior de São Paulo a Vacaria, para estudar fruticultura

Os jovens que chegam para nas universidades públicas estudar

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Ele veio de São José do Rio Preto, “interioRRR” de São Paulo, região que inclui Barretos: terra de rodeios, do touro Bandido e das “caminhonetonas”. Mas de ostentação e espetacularização, ele mantém distância. Gabriel Furlani é ligado à terra e às coisas mais simples que ela produz. Desde menino, gostava de estar em meio à natureza. Comia jatobá no pé e goiaba na beira do rio. Nos aniversários, costumava ganhar sementes de presente da avó. Quando jovem, decidiu trabalhar com paisagismo orgânico, aquele que abdica de fertilizantes químicos.

“Troco frutas bonitas por aquelas abandonadas nos quintais. De vez em quando, consigo pegar um figo da índia ou bergamota sem agrotóxico por aí, nos terrenos baldios”, conta Gabriel. 

O jovem paulista, de 30 anos, migrou para Vacaria para cursar fruticultura. Foi apresentado à cidade pelo Google, o site de buscas. Na internet, descobriu a vocação agrícola de Vacaria, sua vasta produção de grãos e maçãs e, também, a presença da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária por aqui. “Ingressei na universidade através do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), e pude escolher entre Santa Cruz do Sul e Vacaria. O fato de contar com uma unidade da Embrapa na cidade pesou na minha decisão”, revela. Gabriel partiu para cá animado com a mudança de ares. Mas ao chegar, se assustou.

“Quando desembarquei na rodoviária, tomei o primeiro choque de realidade. O paulista pensa que o Sul é meio europeu: culto, desenvolvido e organizado”, confessa.

No imaginário do rapaz, a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) seria tão avançada quanto a Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Vacaria seria tão pujante quanto é “vendida” no vídeo institucional da cidade.

Gabriel à direita | Foto divulgado na página de Gabriel no facebook

Apesar das diferenças entre a Vacaria real e a que habitava o seu ideal, Gabriel afirma gostar da cidade e se esforça para adaptar-se a ela. Estuda, trabalha como estagiário na Embrapa e é cuidador de jardins. Nas horas livres, pega seu skate. “Eu me dedico aos estudos, afinal, foi o que me trouxe para cá. Quando estou de folga, curto a molecada do skate”, conta. Para moldar-se à cidade, abdicou recentemente de seus dreads.

“Optei por cortar o cabelo para suprimir também o preconceito”, relata.

Gabriel diz que a atitude faz parte de seu processo de adaptação e que foi motivada por causa de seus dois filhos. Ele conta que, depois que os cachos foram cortados, passou a ser mais respeitado.

E Gabriel exige respeito. “Tem muita gente que acha que todo skatista é folgado e maconheiro. Skate é saudável, é esporte e, mais que um hobby, é um estilo de vida”, explica. O jovem gosta tanto de andar sobre a prancha de rodas que, ao chegar a Vacaria, no primeiro dia, quis conhecer a pista da cidade. “O centro, a Uergs e a pista de skate estavam na lista das prioridades”, lembra. O paulista diz que Vacaria precisa dar mais atenção às questões culturais. Destaca que a pista de skate, por exemplo, possivelmente foi construída por quem não é do esporte, pois está pensada de forma errada.

O jovem se queixa da falta de opções na cidade. “Estava acostumado com teatro, cinema e festivais. Aqui tem uma ou outra peça, e, quando tem, poucos prestigiam”, salienta. Mas não é somente a falta de atrações culturais que lhe chamam atenção. Ele não entende por que uma cidade com tanta terra produtiva não investe em alimentos orgânicos. “O que se planta aqui, dá”, diz o garoto, que sonha em ver as terras férteis de Vacaria produzindo alimentos mais saudáveis.

por Giana Pontalti | texto escrito em julho de 2015, publicado no jornal Correio Vacariense, na coluna VAI E VEM. 

CURIOSIDADES

Paisagismo orgânico é uma atividade que envolve arte, técnica, bom senso e bom gosto para a criação de áreas verdes com o uso de plantas e elementos decorativos. É semelhante ao paisagismo convencional, a diferença está no uso de fertilizantes e adubos orgânicos.

Dread é uma palavra em inglês usada como abreviatura de dreadlocks. Descreve um estilo de cabelo de tranças longas e finas. Os dreads ganharam popularidade por causa do movimento rastafari e de Bob Marley. “Dread”, em inglês, significa medo ou terror, enquanto “lock” pode ser um cacho de cabelo. Uma possível tradução seria: cacho de cabelo que causa medo. Era utilizado por guerreiros africanos para assustar inimigos; no rastafari, revela temor a Deus.

São José do Rio Preto fica a noroeste de São Paulo. O povo carrega no “erre” na hora de falar. Mas a cidade não é rural, como podemos imaginar. Tem mais de 430 mil habitantes.

 

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