Simone Caon Bragaglia Zuanazzi,
psicóloga

A saúde mental das mulheres no período de pandemia
Especial Papo de Mulher

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por Giana Pontalti

Escutar é uma arte, e Simone Caon exerce a bonita função de escutar. A psicóloga está atenta às palavras, aos gestos, aos olhares e ao silêncio: “A psicoterapia é um canal de escuta onde tu podes falar de todas as tuas angústias. Com a pandemia, fomos lançados a uma situação nunca antes vivenciada, perdemos o nosso padrão de segurança e isso aciona o nosso sentimento de desamparo. A psicoterapia nos dá suporte e ajuda a encontrar soluções criativas”, explica.

Simone Caon conversou com a gente sobre a saúde mental no período de pandemia. | Foto: Samara Pacheco, Esthudio F18

Simone é uma das entrevistadas do Especial Papo de Mulher. Ela conversou conosco sobre a saúde mental das mulheres no período de pandemia, revelando as aflições das anciãs, jovens, mães e pacientes que tiveram covid-19, mulheres de todas as idades. Acesse aqui a entrevista.

De março de 2020 pra cá, os terapeutas só veem aumentar os casos de ansiedade, transtorno de pânico e depressão. “O medo da morte é constante. Como vamos dar conta disso? Temos que conversar, temos que falar sobre isso. Ampliar o serviço de psicologia, na rede pública ou privada, é fundamental”, alerta.

Simone atua nas duas frentes. É servidora pública, trabalha no Núcleo de atendimento e prevenção escolar (Neape) e também em consultório particular. Já foi coordenadora de saúde mental em Vacaria e tem como bandeira o cuidado aos bebês. “Todas as patologias mais graves têm a ver com esse primeiríssimo estágio da vida”. E é pelo cuidado à vida, dos bebês e dos adultos também, que Simone luta.

“Estamos em um momento de sofrimento, todos tivemos renúncias a fazer, todos sofremos privações: fomos privados das viagens, dos encontros festivos, da vida afetiva.  É difícil de lidar com isso porque o ser humano é social. E tem gente que, diante dessa realidade, nega-a”, pontua.

A psicóloga de 51 anos, que também é mãe, destaca o papel das mulheres nessa pandemia: “O feminino está ligado ao mantenedor da vida. Quando a mãe fala para o filho, ou para o marido, ou para uma parente usar a máscara, não está falando apenas do cuidado para não se contaminar. Ela está ensinando empatia, está ensinando que não somos sozinhos no mundo e que temos que cuidar do outro. Na vida, nós crescemos e nos desenvolvemos também pelas nossas identificações”, diz.

Saiba mais sobre a Simone Caon no FALA GURIA logo abaixo.

ENTREVISTA 

FALA GURIA

Formação: Psicologia (Universidade de Caxias do Sul). Psicanálise (Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre), especialista em psicoterapia psicanalítica de crianças, adolescente e adultos (Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade de Porto Alegre). Formação em Protoinfância.

Trabalho: É analista de políticas públicas, servidora do Governo do Estado do Rio Grande do Sul desde 1994. Trabalha no Núcleo de Atendimento e Prevenção Escolar e no seu consultório particular.

“Houve uma necessidade de avaliação das crianças que precisavam frequentar as salas de recursos e, assim, eu migrei para a pasta da educação. Junto com duas colegas, fundamos o Núcleo Especializado de Atendimento e Prevenção escolar.”

Educação continuada: Simone faz parte do Núcleo de infância do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre e é membro da Rede Pikler Brasil e Rede Pikler Nuestra América, que estudam a primeiríssima infância.

O que queria ser quando criança: Pediatra.

O olhar para os bebês: “Quando comecei a atuar no setor público municipal, era o Dr. Mateus da Luz, o Secretário. Um dia, em cima da mesa dele, eu vi o anúncio de uma formação de primeira infância em Porto Alegre, uma realização da Famurs com a Unicef. O município precisava enviar uma representante da saúde, e Dr. Mateus disse que ninguém queria ir. Eu disse: ‘eu quero’. Foi aí que eu comecei com a causa dos bebês e me apaixonei por ela.”

“Certa vez, fui a uma palestra com a Sylvia Nabinger – assistente social, que estudou sobre a abordagem do bebê. Eu fiquei tão emocionada com aquilo, que me emociono hoje. Os cuidados com o bebê: entender o tempo do bebê, suas competências, autonomia, motricidade livre, a relação do adulto com ele, a criança como o centro; essa abordagem congrega a psicologia, a psicanálise, a pedagogia e a psicomotricidade. Junto com a Selmari Etelvina Souza da Silva, desenvolvemos um projeto de formação de professoras e atendentes de creche.”

Rede Pikler Brasil: “Fundamos um grupo com gente de todo o lugar e fomos a Budapeste, na Hungria, para estudar e ver de perto como a abordagem da Emmi Pikler (pediatra húngara) funcionava. Emmi percebeu, no pós-Segunda Guerra Mundial, que as crianças de orfanato começaram a desenvolver problemas, que não se podia dar a elas cuidados automáticos. Ela começou a trazer essa abordagem do cuidado diferenciado às crianças institucionalizadas, mas também para consultórios, espaços coletivos, de educação infantil.”

“À medida que eu fui estudando, fui me apaixonando. Tudo que tu tens que trabalhar, o cerne de tudo é a primeira infância. O cuidado à primeiríssima infância é minha bandeira.”

Esperança: “Eu sou romântica, esperançosa. Eu nunca desisto do ser humano, embora já tenha ficado muito triste com o trabalho público. Às vezes, tu queres fazer um trabalho e não te deixam.”

A PANDEMIA

Professores: “No ano passado, promovemos o Escuta em Educação, projeto em que realizamos grupos virtuais com coordenadores, professores, atendentes de creche, trabalhadores da educação – para ouvir e compartilhar as angústias das mulheres nesse momento de pandemia. Espaços como esses são sanadores porque percebemos que não somos só nós que sentimos aquela emoção. Professoras puderam perceber que não estão sozinhas nisso: ‘Não sou só eu que tenho dificuldade de ficar em casa, de dormir, não sou só eu que estou sentindo falta da convivência.’ Mais do que falar delas, as professoras tiveram de lidar com ferramentas que não conheciam. Elas agora estão mais preocupadas com os vínculos familiares, com a aprendizagem das crianças, com as famílias em situação de vulnerabilidade. Tem o medo da morte, do retorno, da estrutura que é necessária para a correta higienização.”

“O poder público pode ajudar nesse momento organizando grupos para  estimular essas trocas, ideias.”

Anciãs na pandemia: “No consultório, percebo um aumento dos quadros de ansiedade, transtorno de pânico, depressão. As anciãs, que pertencem ao grupo de risco, estão com muito medo. E enquanto alguns familiares as apoiam, outros caçoam delas. Sofrem bullying por terem optado por se isolar no Natal e Ano Novo. Dizem: ‘que bobagem, que exagero”. É importante entender que elas queriam estar junto, mas não podem, pois é uma escolha de vida. Às vezes, os familiares têm dificuldade para entender e respeitar isso.”

“Os que cuidam de idosos, quem têm pais em casa, também estão muito angustiados. “E se acontecer algo? E se eu levar o vírus, matar alguém? Digo: ‘Calma, tu podes estar fazendo tudo que podes, não tem que carregar esse peso todo.”

As mães: “As mães estão esgotadas de lidar com as crianças dentro de casa, de ajudar nas tarefas escolares. Estão sobrecarregadas com as tarefas domésticas. A convivência foi dificultada em alguns casos, pois mães e pais que trabalhavam fora, agora estão juntos, o tempo todo. Em outros casos, houve uma aproximação, uma aprendizagem à tolerância.”

Mulheres que tiveram covid-19: “Muita gente (adolescentes) relata que nunca se sentiu tão sozinha como no período de isolamento, dos 14 dias. Tem uma irmã de uma amiga minha, uma guria de 40 anos, que perdeu um rim em função da covid, está na fila de transplante. Que impacto tem isso na vida da pessoa?”

“Eu atendo gente que desenvolveu transtorno de ansiedade, muitas limitações depois de passar pela covid. Passaram 14, 20 dias, mas ainda estão com fadiga, não estão com a mesma performance de antes.”

Negar a gravidade da pandemia: “Eu vejo também muito negacionismo: ‘Ah, não é nada’, principalmente das mulheres jovens, que se colocam mais em situação de risco. Os jovens são mais impetuosos, querem viver, aproveitar. Dizem: ‘Eu não aguento mais’. Outros, não.”

“A negação é um mecanismo de defesa. Estamos em um momento de sofrimento, todos tivemos renúncias a fazer, todos sofremos privações: fomos privados das viagens, dos encontros festivos, da vida afetiva.  É difícil lidar com isso porque o ser humano é social. E tem gente que, diante dessa realidade, nega-a.”

“Acho que a pandemia deflagrou o que há de pior no ser humano. Tem gente que circula normalmente porque ou não tem medo ou escuta tanta fake news que não se importa com o que está acontecendo. E a pandemia defragrou o que há de melhor também: o cuidado das pessoas, a sensibilidade em relação ao outro”.

O luto: “A pandemia traz uma outra realidade: a das pessoas não poderem enterrar seus mortos (vivenciar velório, ver a pessoa). É um trauma que fica na vida de uma pessoa. É muito difícil, também, não poder estar perto, acompanhar um familiar doente.”

O humor e os espaços de escuta como saídas: “Eu gosto muito do livro Humor é coisa séria, do Abrão Slavutzky, que nos lembra que mesmo em momento difícil é preciso encontrar saídas bem-humoradas. Como? Não é fácil. Ele relata o caso de um sobrevivente do Holocausto que conseguiu sobreviver porque brincava com algumas coisas.”

“Meu pai era um piadista, acho que aprendi com ele que o humor pode ajudar muito a ultrapassarmos momentos difíceis. O humor ajuda a olhar a vida com outros olhos, a encontrar saída diante de tanta dificuldade, ter compaixão pelas nossas fraquezas, nos ensina a ser generosos com a gente, a acolher a nós mesmos e aos outros.”

 As mulheres da família: “Venho de uma família de mulheres com um lado místico, que leem mãos, tiram cartas, meio “bruxas”. Fui para o lado bruxo-científico (rs) porque queria estudar. Eu tenho essa coisa da intuição, gosto muito de observar.”

Vida em abundância:  Simone gosta da vida abundante, feliz. É uma mulher dinâmica. Gosta de viajar, ir à praia, escutar música (é uma garota rock’n’roll), de ir ao teatro, cinema e exposições. Gosta de conhecer gente diferente, de dançar, de promover jantares. “Gosto de inventar, tenho pavor da mesmice.”

Pautas femininas que merecem destaque: Simone diz que são muitas as pautas que merecem destaque neste mês de março, mas que olhar para a nossa cultura machista e para os relacionamentos abusivos é necessário. “É preciso falar da violência silenciosa.”

“Muitas mulheres não se dão conta do relacionamento abusivo que sofrem. Há uma violência psíquica: elas estão tão acostumadas com aquele tipo de vínculo, que fica difícil enxergar que aquilo é ruim. A autoestima fica tão baixa que não elas não têm nem forças para tomar uma decisão.”

“Vivemos em uma cultura machista, sim. Quando a mulher começa a se tornar independente, começa a não depender tanto financeiramente do parceiro, o homem se sente inseguro. A mulher começa a sair, ganhar liberdade, começa a desejar coisas, os homens parecem se sentir ameaçados e os comportamentos abusivos aumentam.”

Coragem: “Fazer terapia é um ato de coragem: coragem de olhar para dentro, de poder se olhar de uma forma mais verdadeira, de sentir uma verdade dentro de si.”

Empatia se ensina: “Eu adoraria ver o mundo mais empático. Freud trabalhou textos sociais – O mal estar da civilização – em que fala da necessidade de certa ordem para a convivência. Percebemos impulsos ainda primitivos em nossa sociedade, que deveria estar mais madura. Na pandemia, eu vejo a questão da assistência social (tem algumas populações muito desamparadas), prejuízos na aprendizagem das crianças, depressões maiores, fobias. Esse mundo pós-covid é de reconstrução, como uma terra arrasada, em que recolheremos o que sobrar. A gente vai ter muito trabalho para a sociedade, muitas perdas afetivas, de vincularidade.”

Especial Papo de Mulher | março de 2021

 

 

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente tema abordado. Ansiedade, depressão, pânico e muitos outros sintomas em tempos de pandemia ficamos mais vulneráveis. Eu diria apavorados com todas essas mudanças repentinas. Isolamento, uso de máscara, medo de ser contaminado pelo covid-19.

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