Valesca Mesquita Orsi, a missionária valente

A missionária que está há 12 anos na Tanzânia empoderando mulheres

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Cuidar é da natureza humana. E Valesca Mesquita Orsi vive para cuidar. A vacariense de 63 anos está há 12 anos na Tanzânia, em missão. É voluntária e o seu trabalho é cuidar de mulheres: não apenas ampará-las, mas empoderá-las. É com orgulho que o Made In Vacaria destaca a história dessa valente missionária.

DO CARNAVAL PARA O CONVENTO

Aos 24 anos, em pleno Carnaval, a jovem Valesca decidiu pular do clube para o convento. A ex-rainha do Clube Guarani ingressou no claustro em uma Quarta-feira de Cinzas. Dias antes, arrasara o coração de um pretendente, não aceitando o pedido de casamento. “A Valesca sempre foi namoradeira, mas nunca se prendeu. Sempre foi cheia de vida, alegre, festeira”, conta Zeli, a mãe de 91 anos, orgulhosa da filha. Orgulho este que cresceu quando Valesca decidiu ser religiosa, mesmo contrariada pelas irmãs.

Valesca é a mais velha de um time de quatro mulheres, todas de personalidades fortes. “Na época, muita gente seguia a vida religiosa para estudar. Não foi o caso de Valesca: ela estava finalizando a faculdade de matemática e trabalhava como telefonista da CRT. No começo, não entendemos sua escolha, mas com o tempo nos acostumamos com ela”, conta Elizete, a caçula.

A decisão foi tomada logo após a conclusão da faculdade. “Um amigo meu fez um alerta. Disse que eu não era uma mulher feita para casar e que deveria pensar seriamente no que queria para a minha vida. Foi o que fiz”, conta. Até os 22 anos, compartilhava o mesmo desejo das moças de sua idade: casar-se e ter filhos. Perto dos 24, mais madura, o desejo de infância reapareceu. “Quando ela era menina, dizia que ia ser freira. Mas isso foi na época que ficou um ano em um internato lá em Antônio Prado”, conta Zeli.

Determinada, Valesca começou a pesquisar as congregações para escolher em qual ingressar.

“Busquei conhecer o carisma de cada uma. Queria saber qual delas era, realmente, dedicada aos pobres”.

Optou pelas Irmãs de São José, organização que, segundo ela, nunca se opôs à sua inquietação e desejo de exercer a religião na prática.

Valesca (de preto) com a mãe e os irmãos.

EXPERIÊNCIAS INTERCULTURAIS

Fez o noviciado em Lagoa Vermelha, depois morou em Sananduva. Viveu, também, em Chapecó, Porto Alegre, na Bahia, Goiás, Espírito Santo e, também, nos Estados Unidos, onde estudou inglês. Agora está na África Oriental, ao sul da Tanzânia. O país faz divisa com Moçambique, Congo e Quênia.

“Não é comum as irmãs migrarem tanto, mas eu sempre estive disponível. E ter vivido em muitos lugares foi uma Graça”, explica a religiosa que sempre trabalhou com mulheres, na sua formação.

Nordeste: um dos lugares especiais para se viver, segundo Valesca

 

DO MEIO RURAL DE VACARIA PARA O MEIO RURAL NA TANZÂNIA

A menina que nasceu em Lagoão, interior de Vacaria, sempre sonhou conhecer a África. A Congregação lhe enviou para uma missão na Tanzânia, país com um dos menores PIBs do mundo e com baixa expectativa de vida – 52 anos. Onde mora, na vila Msalava Mkuu, que pertence ao distrito de Namtumbo, água é uma preciosidade, tamanha raridade; a eletricidade não chegou, e a tecnologia também não.

Valesca explica que o país é pobre, mas não miserável. Há mazelas, mas também riquezas. “A vida gira em torno da agricultura. No tempo de chuva, se planta com chuva ou sol. No tempo de seca, se colhe, toca tambor e se faz festa”, comenta. A agricultura é ainda primitiva e funciona na base da enxada.

A FÉ E A FESTA

A Tanzânia é um país repleto de musicalidade. O tambor e o canto estão presentes por toda parte, diz a religiosa. “O canto, as vozes africanas são muito lindas”, admira. O tambor está presente também na Igreja.

“Na África não tem muita dicotomia entre a Igreja e a festa. A Igreja é uma festa. Você vai à missa, e a missa tem três horas de duração, é cheia de cantos e dança. A glorificação é feita pela expressão corporal, pela dança. É muito bonito e festivo”, conta.

Apesar de ser um país essencialmente agrícola, a Tanzânia é carente. “Após a Segunda Guerra, os países africanos foram distribuídos aos europeus. A Tanzânia foi colonizada pelos ingleses e, hoje, é explorada pelos Estados Unidos, que retiram urânio sem pagar nada por ele, dão apenas migalhas ao país. No Congo, retiram ouro das terras, sem preço algum. Os governos não existem efetivamente na África. É um conjunto de injustiças e exploração”, comenta.

A OPÇÃO PELOS POBRES

Mas por que realizar um trabalho missionário em outro país se no Brasil também há injustiças e exploração?

Valesca diz que a Igreja brasileira é única, sempre teve o seu olhar voltado para os pequenos e desprovidos, e que esse jeito de ser, precisa se espalhar pelo mundo. “O bispo da congregação queria uma presença na Tanzânia que fizesse a diferença. Ele almejava que contribuíssemos como brasileiras com experiência na Teologia da Libertação”, salienta. A religiosa explica que essa corrente teológica defende a necessidade de a Igreja dar uma resposta à realidade. Leonardo Boff, teólogo, escritor, professor universitário, e um dos expoentes dessa corrente teológica, diz que a Teologia da Libertação defende que a fé não seja alienada e justificadora da situação do mundo, mas sim uma instância de indignação, resistência, avanço, ação.

 “Deus está sempre presente na realidade, e ele se faz presente especialmente nos mais pobres. É um desafio descobri-lo nesse mais pobre. Porque descobrir Deus no templo e nos sacramentos é algo muito fácil. Porém, responder com generosidade diante daquele que necessita é sempre um desafio”, explica Valesca.

As companheiras de oficina

AFRICANAS EMPODERADAS

E a realidade em que Valesca interfere é a das mulheres africanas. Valesca atua em diferentes frentes, buscando contribuir para a autonomia feminina. Uma delas é a promoção de oficinas de confecção de bolsas, roupas de cama e mesa com as mulheres da vila. “Em 2010, começamos um grupo que se chama Mkomanile Crafts, desenhamos bolsas com os motivos africanos, artigos de cama e mesa, costuramos e vendemos através do site”, conta orgulhosa. As mulheres já conseguem sobreviver dos artigos que produzem.

Valesca atua, também, com saúde alternativa. Aplica seu conhecimento como psicóloga para conversar, indicar chás e tratamentos com barro e água. Acompanha, ainda, as jovens que desejam ser irmãs, orientando-as. As irmãs ainda dão aulas voluntárias de inglês, e têm uma atuação significativa na educação.

Valesca mora com outras missionárias, irlandesas e indianas. Convive ainda com as irmãs em missão em Moçambique. Para atuar na Tanzânia, precisou aprender inglês e a língua oficial, Kiswahily, de origem tribal. Ela conta que o maior desafio foi com as diferenças culturais. “Lá, não há banheiro nas casas, não tem luz, a água é escassa. A higiene é precária”, comenta Elizete, que mantém contato com Valesca semanalmente.

 

VIRTUDES DO POVO TANZANIANO

Valesca diz ter sido feliz por todos os lugares por onde passou. Na Tanzânia lhe chama especial atenção a capacidade de escuta do povo africano.

“O povo africano, especialmente o tanzaniano, tem uma capacidade de escuta surpreendente, de uma escuta profunda. Escutam com o coração, e são incapazes de julgar. Nós, ocidentais, temos muita facilidade para julgar. O povo daqui simplesmente entende que o outro é diferente, e o respeita”, constata.

Valesca explica que o povo também vive sob a cultura da coletividade. “Uma criança de um ou dois anos é treinada a repartir até o que ela vai comer. O sentido de grupo para os africanos é muito importante. A competição não existe na África”, diz.

VACARIA: MISSÃO DE CUIDAR DA MÃE

A religiosa gosta muito de Vacaria, mas sente-se bem aonde quer que vá. “Eu amo minha cidade, gosto de me sentir enraizada, mas também me sinto em casa em qualquer lugar”, explica. Ela pensa em voltar porque dona Zeli está com uma idade avançada, e precisa dar a sua colaboração. “Meus irmãos todos participam, eu também preciso fazer isso. Por ora, estou esperando minha substituição”.

A próxima missão: cuidar de dona Zeli

Ela vai voltar, mas não significa que por aqui vai ficar. Valesca é do mundo e está a serviço da humanidade.

“Penso que nossa passagem pela vida é fonte de aprendizagem e busca da essência de Deus, do qual viemos e para o qual voltaremos”.

 

4 COMENTÁRIOS

  1. Valesca, seu riso ainda faz parte de minhas lembranças.
    Me senti feliz em saber tantas coisas sobre você. Continua levando tua luz por onde andas.
    Meu abraço e admiração!

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